O que o agronegócio brasileiro tem a ensinar ao coronavírus?

  • 30/03
  • Direito Agrário
  • Paulo Roberto Kohl
Quero trazer um ponto de vista um pouco diferente ao debate do Direito Agrário.
 
Sabemos que a origem da doença Covid-19, causada pelo novo coronavírus Sars-Cov-2, e considerada, até o presente momento, como o maior problema de saúde pública do Século 21, surgiu nos mercados chineses, onde não há (ou pouco há) fiscalização nos alimentos comercializados.
 
Nesses locais os animais (muito deles silvestres) são mantidos confinados em jaulas por dias ou meses e abatidos na hora para o consumidor. Já podemos perceber que a higiene e bem-estar animal não é uma das preocupações mais relevantes[1].
 
No caso do novo coronavírus, estudos apontam que sua origem está nos morcegos (seres que podem conter mais de 200 tipos de vírus, 60 deles com capacidade de infectar humanos). Os animais que estão nesses mercados (wet market), em regime de confinamento, ficam com a imunidade muito baixa e, ao terem contatos com morcegos na vida selvagem (através de suas fezes, ou mesmo, mordidos), podem manifestar doenças. Daí para infectar um ser humano (o próprio açougueiro ou o consumidor) é um pulo[2].
 
Desconfia-se que um dos “reservatórios naturais do vírus” e responsáveis pela mutação do novo coronavírus tenha sido o pangolim (animal jurássico e silvestre), e um dos mais ameaçados de extinção[3].
 
Estima-se que mais de 100.000 pangolins são comercializados clandestinamente nos mercados da Ásia. E cientistas encontraram semelhanças entre o vírus presente nos pangolins e o que está afetando seres humanos, adotando a tese segundo a qual teria havido uma mistura genética entre o vírus do morcego e do pangolim antes que conseguisse contaminar o ser humano.[4]
 
E o agronegócio?
 
No Brasil, sabemos da rigorosa fiscalização animal nas propriedades, agroindústrias e supermercados. Seguimos protocolos internacionais que nos permitem exportar alimentos (saudáveis e seguros) para todo o mundo!
 
A segurança alimentar deve ser vista sob dois vieses. Um, a segurança para que não falte alimento para a população, corolário da própria soberania nacional e da paz. Dois, a segurança alimentar nutricional para que o alimento possa ser consumido sem causar mal para a saúde.  
 
Nisso, modéstia à parte, o Brasil tem muito a ensinar para o mundo. O agronegócio (e aqui, leia-se todas as cadeias produtivas, pequeno, médio e grande produtor, agroindústria e fornecedores, pois todos estão interligados pelos mais diversos instrumentos legais), demonstrou imensa capacidade de alcançar e garantir a segurança alimentar no Brasil (em ambos os sentidos).
 
O Brasil está em avançado processo de desenvolvimento nesse setor. Transformamos terras incultas e de pouco valor comercial no celeiro do mundo. Revolucionamos a agropecuária, partindo de um país com insuficiência de alimentos até meados da década de 80 e 90, para exportador de alimentos. Somos capazes de alta produção, e com segurança alimentar (quantitativamente e qualitativamente). Somos referência mundial e chamamos a atenção de todos. Nem mesmo em meio a uma pandemia, não há notícias de que vá faltar alimentos à população.
 
E então?
 
É preciso exportar essas boas práticas. Ajudar a desenvolver mecanismos estratégicos, apoiar iniciativas inovadoras, incentivar soluções para que mais e mais pessoas no mundo inteiro tenham acesso à segurança alimentar. E o celeiro do mundo pode e deve reivindicar esse papel.
 
É preciso coibir práticas tal qual a ocorrida nos mercados públicos de Wuhan para que se evite o risco de contaminação entre animais silvestres (livres de fiscalização) com o ser humano. Coibir tráfico de animais e incentivar práticas de bem-estar animal.
 
Exigir investimentos públicos e postura das autoridades para a melhora das questões sanitárias (no plano nacional e internacional), principalmente para que sejam realizadas melhores escolhas alimentares em todo o mundo. Volto a dizer, o celeiro do mundo, exportador de alimentos, tem o papel crucial para alimentar qualitativamente a população mundial e exigir mecanismos internos de seus compradores para que a população possa ter acesso a esses alimentos saudáveis.
 
Senão, cada vez mais estaremos sujeitos ao risco pandêmico como o que estamos experimentando neste grave momento.
 
Para nós, agraristas, devemos pensar em como a advocacia pode ser um aliado neste processo. Seja através de buscar alternativas criativas e seguras para garantir uma produção agropecuária maior e mais barata. Isso garantirá acesso alimentar a maioria das pessoas. Seja tornando a advocacia agrária um instrumento de protagonismo para a preservação da segurança alimentar no plano nacional e internacional.
 
E é fundamental pensarmos para além das fronteiras brasileiras e de questões ideológicas. Vírus não respeita fronteiras e não tem filiação partidária. Na medida em que a globalização avança e nossa produção está em todo o mundo (seja através de animais vivos ou proteína industrializada), aumenta nossa responsabilidade.
 
Advirto, não é hora de encontrar culpados. Mas de buscar soluções. Toda a humanidade está sendo afetada. Sabe-se que a gripe espanhola (que matou em torno de 50 milhões de pessoas e que nada tem de espanhola) teve origem no Kansas, Estados Unidos.
 
O momento é de reflexão, serenidade e proatividade (nossa e da comunidade internacional) para vencer a crise e evitar que novos episódios, como este, aconteçam.
 
Paulo Roberto Kohl - Advogado com atuação especializada em demandas jurídicas do agronegócio. Sócio fundador da Kohl & Leinig Advogados Associados. Especialista em Direito Público e Direito Agrário e Ambiental aplicado ao agronegócio. Presidente da Comissão de Direito Agrário da Subseção da OAB de Palmas/PR e da subseção de Xanxerê/SC. Membro e Coordenador Regional no Estado de Santa Catarina da UBAU – União Brasileira dos Agraristas Universitários e da Comissão de Direito Agrário e Questões do Agronegócio da OAB/SC. e-mail: paulo@kohleleinig.com.br
 
[1] Os hábitos alimentares exóticos têm origem com a Grande Fome que aplacou a China, no período do Mao Tsé Tung. E, desde aquela época, ainda se cultivam tais comportamentos fruto da cultura e do entendimento de que animais consumidos logo após o abate são mais saudáveis. Mais uma vez se percebe que a fome (leia-se: falta de segurança alimentar e uma política de Estado para o abastecimento alimentar da população) pode gerar efeitos nefastos que duram décadas, gerando até alterações no comportamento alimentar da população. 
 

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